terça-feira, outubro 31, 2006

Uma praiazinha . . .

"Agora olhei pela janela. A janela do meu quarto dá para os fundos de outro edifício, fica sempre um ar cinzento preso naquele espaço...
Quando pensei desse jeito, nesta cidade daqui, ...você nem sabe como me dá uma vontade doida, doida de voltar. Mas não vou voltar. Mais do que ninguém, você sabe perfeitamente que eu nunca mais posso voltar. Pensei nisso com tanta força que cheguei a ficar meio tonto, a mão escorregou e fez esse borrão aí do lado, desculpe. Eu apertei as duas mãos contra a folha de papel, como se quisesse me segurar nela. Como se não houvesse nada embaixo dos meus pés.
Você não sabe, mas acontece assim quando você sai de uma cidadezinha que já deixou de ser sua e vai morar noutra cidade, que ainda não começou a ser sua.Voce sempre fica meio tonto quando pensa que não quer ficar, e que também não quer - ou não pode - voltar. Você fica igualzinho a um daqueles caras de circo que andam no arame e de repente o arame plac! ó, arrebenta, daí você fica lá, suspenso no ar, o vazio embaixo dos pés. Sem nenhum lugar no mundo, dá para entender ?
Ando tão só...tão triste que às vezes me jogo na cama, meto a cara fundo no travesseiro e tento chorar.Claro que não consigo.Solto uns arquejos, roncos, soluços, barulhos de bicho, uns grunhidos de porco ferido de faca no coração. Sempre lembro de você nessas horas. Hoje, preferi te escrever.
E se você ainda consegue lembrar daqueles banhos...porque eu, eu não esqueço um segundo neste sete anos - mais do que ninguém, você sabe como isso é verdade."

(Uma Praiazinha de Areia...-in Os Dragões Não Conhecem o Paraíso)

segunda-feira, outubro 30, 2006

"Se tudo existe é porque sou. Mas por que esse mal estar? É porque não estou vivendo do único modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é. Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura. Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado. "

"Estou triste. Um mal-estar que vem do êxtase não caber na vida dos dias."


''A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos, e a isto chamamos Amor.''

“A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho”.

"Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois?
Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes.
Tais momentos são o meu segredo."

"Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte..."

"eu estava vivendo a pré-história de um futuro"

"o deserto tem uma umidade que é preciso encontrar de novo"

"não sou adulta bastante para saber usar uma verdade sem me destruir"

"só temos de Deus o que cabe em nós"

"viver me deixa tão impressionada, viver me tira o sono"

"eu quero a atualidade sem enfeitá-la com um futuro que o redima, nem com uma esperança"

"Comigo você falará sua alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita. E além disso temos dois corpos que nos será um prazer alegre, mudo, profundo". (Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres).

"Meu mistério é simples: eu não sei como estar viva. É que você só sabe, ou sabia, estar viva através da dor.É. E não sabe como estar viva através do prazer? Quase que já. Era isso o que eu queria te dizer".
(Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)

"Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca."

"na queda ridícula as asas de um anjo quebrei"...

“Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade."

"Quem olha um espelho conseguindo ao mesmo tempo isenção de si mesmo, quem consegue vê-lo sem se ver,quem entende que a sua profundidade é ele ser vazio,quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem - então percebeu o seu mistério."

"amor será dar ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si".

"Toda revelação de amor é uma revelação de carência. Bem aventurados sejam os pobres de espírito, pois deles é o dilacerante reino da vida."

¨Gastar a vida é usá-la ou não usa-la?!¨

"O que me atormenta é que tudo é por enquanto, nada é sempre"

"na sorveteria gatao o sorvete é bom porque tem gosto igual da cor "

"Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma. "

"Eu sou mais forte que eu"

"E EU QUE ESPERAVA FOGOS DE ARTIFÍCIO, ESQUECI QUE AS ESTRELAS NAO FAZEM BARULHO."

"o vazio, é o eco da alma."

Do livro "Pra Não dizer Adeus"
Silêncio. Preciso morrer. Já morri algumas vezes, á tempos que não. Às vezes é preciso, é preciso morrer para viver. Ando com saudade de Deus.

"Que música belíssima ouço no fundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. E modo de expressar o silêncio. O que te escrevo é de câmara."

"Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir."

"O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa".

"... e eu estava só sem precisar de ninguém. É dificil porque preciso repartir contigo o que sinto. O mar calmo, mas a espreita e em suspeita. Como se tal calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto improvisado e fatal me fascina. Já entrei contigo em comunicação tão forte que deixei de existir sendo. Você tornou-se um eu. É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o encontro real entre nós dois? Difícil contar... olhei pra você fixamente por alguns instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita." Água viva

O espaço rodeado por quatro parees tem um alor específico, provocado não tanto pelo fato de ser espaço, mas pelo fato de estar rodeado por paredes

Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado."

"E não tenho medo do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de cair."


"o que eu te falo nunca é o que eu te falo, e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela a tona de brilhante escuridão"

" Bem tranqüila, Lóri,vá bem tranqüila. Mas cuidado.É melhor não falar, não me dizer. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio. Por quê é que você olha tão demoradamente cada pessoa?"

... o melhor sinal de se estar no caminho certo é não ficar aflito por não entender..

"Oh, não se assuste, as vezes, a gente mata por amor, mas eu juro que um dia a gente esquece, juro"

"Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristezas para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz."

''Mas parece-me que sua vida era uma longa meditação sobre o nada. Só que precisava dos outros para crer em si mesma, senão se perderia nos sussecivos e redondos vácuos que havia nela...''

"Só uma coisa eu sei: não preciso ter piedade de Deus"

"Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui."

"Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes do Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam. Mas ambos eram comprometidos. Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada".

"O cacto é cheio de raiva com os dedos todos retorcidos e é impossível acarinhá-lo. Ele te odeia em cada espinho espetado porque dói-lhe no corpo esse mesmo espinho cuja primeira espetada foi na sua própria grossa carne. Mas pode-se cortá-lo em pedaços e chupar-lhe a áspera seiva: leite de mãe severa."

"Com Deus a gente também pode abrir caminho pela violência. Ele mesmo quando precisa mais especialmente de um de nós, Ele nos escolhe e nos violenta."

"Só quem guarda as armas a chave é quem receia atirar sobre todos."

"Onde aprender a odiar para não morrer de amor?"

"Preciso ter paciência porque sou vários caminhos, inclusive o beco sem saída" (UM SOPRO DE VIDA)

"Minha liberdade pequena e enquadrada me une à liberdade do mundo - mas o que é uma janela senão o ar emoldurado por esquadrias?" (ÁGUA VIVA)

"As pequenas violências nos salvam das grandes" (UMA APRENDIZAGEM...)

(...) "Talvez porque eu seja infeliz, medo de se aproximar. Talvez seja isso: medo de ter que sofrer também..."

"Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência."

"Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu."

"Estou viva. Mas sinto que ainda não alcancei os meus limites, fronteiras com o quê? sem fronteiras, a aventura da liberdade perigosa. Mas arrisco, vivo arriscando."

Posso dizer tudo?
-Pode.
-Você compreenderia?
-Compreenderia. Eu sei muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e, por ser um campo virgem, está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor; é a minha largueza. É com ela que compreenderia tudo. Tudo que não sei é que constitui a minha verdade.
(Clarice Lispector)

Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa.

"Você erra com uma força que não se pode deter...Acho mesmo que errar com essa violência é mais bonito que acertar(...) é como ser um herói..."( O Lustre)

"Talvez quem me faz sofrer precisa que eu sofra."

'As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens." (Cem anos de perdão)

"Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo."

"Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária"

"Se eu fosse eu...o que eu seria?"

"A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer."

“É necessário um grau de cegueira para enxergar determinadas coisas. É talvez essa a marca do artista. Mas, exatamente aquelas coisas escapam à luz acesa. Na escuridão tornam-se fosforescentes.”

"Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra amor."

"A esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra significa, sobretudo, espera. E a esperança é já."

“ Mas ninguém pode me dar a mão para eu sair: tenho que usar a grande força, e no pesadelo em arranco súbito caio enfim de bruços no lado de cá. Deixo-me ficar jogada no chão agreste,exausta, o coração ainda pula doido, respiro ás golfadas. Estou a salvo?enxugo a testa molhada. Ergo-me devagar tento dar os primeiros passo de uma convalescença fraca, estou conseguindo me equilibrar.”

"(...)pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço."

"...E A RESPIRAÇÃO CONTÍNUA DO MUNDO É AQUILO QUE OUVIMOS E CHAMAMOS DE SILÊNCIO."

"A estrutura do átomo não é vista, mas sabe-se dela. Eu sei de muita coisa que não vi...e vós também. Não se pode provar a existência do que é mais verdadeiro. O jeito é acreditar...acreditar chorando."

"Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver."

"E tão lentos somos no avançar que só a impaciência do desejo nos deu a ilusão de que o tempo de uma vida é tempo bastante"

"Escrevo porque não sei o que fazer de mim" (C.L. em Um sopro de vida)

"o inatingível é sempre azul" (cosmonautas na terra em "a descoberta do mundo")

"Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era!"

"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele." Perdoando Deus in "Felicidade Clandestina"

"Quem não é perdido não conhece a libardade e não ama"

"Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar."
AGUA VIVA

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros ."

'Sou inquieta, ciumenta, áspera e desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que eu não sei usar amor; ás vezes parece farpas. Se tanto amor dentro de mim recibi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais'

Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. Morrer às vezes parece um egoísmo. Mas quem morre às vezes precisa muito.
Será que morrer é o último prazer terreno?

...pode-se perguntar por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta se resposta? embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim'.

"A invenção do hoje é meu único meio de instaurar o futuro."

" Estou felizmente mais doida. E minha ignorância aumenta. A diferença entre o doido e o não-doido é que o não-doido não diz nem faz as coisas que pensa."

"SINTO QUE EM BREVE NOS SEPARAREMOS, TAL A SAUDADE QUE SINTO DE TI. "

"O casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá me acontecer .Imagine: Ter sempre um a pessoa ao lado , não conhecer a solidão._ Meu Deus!_ não conhecer nunca,nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz se conserva porque se arrasta consigo outra pessoa. Há sempre alguém que sempre a observa, que a perscruta, que acompanha todos o seus movimentos. E mesmo o cansaço da vida tem certa beleza quando é suportado sozinha e desesperada_ eu pensava. Mas a dois, comendo diariamente o mesmo pão sem sal, assistindo á própria derrota na derrota do outro... Isso sem contar o peso dos hábitos refletidos nos hábitos do outro, o peso do leito comum, da mesa comum, da vida comum, preparando e ameaçando a morte comum, eu sempre dizia nunca. "

"sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo. A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si."

"E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. "

"seu coração se enchera com a pior vontade de viver."

"segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver."

"De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é"

"Nao gosto tanto de mim a ponto de gostar das coisas de que gosto.
Amo mais o que quero do que a mim mesmo".




"Você já pensou que um ponto, um único ponto sem dimensões é o máximo da solidão? Um ponto não pode nem contar consigo mesmo, foi-não-foi está fora de sí." (Perto do Coração Selvagem).

"Dar a mão a alguém foi tudo o que sempre esperei da alegria."

"Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar"

"Ah, se eu sei não nascia,ah, se eu sei não nascia.A loucura eh a visinha da mais cruel sensatez.Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente"

"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio.Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar.Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio."

"Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo - menos a vida. E é isso o que não perdôo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdôo aos outros. A este ponto cheguei: como não consegui a vida, quero matá-la. A minha cólera - que é ela senão reivindicação? - a minha cólera, eu sei, eu tenho que saber neste minuto raro de escolha, a minha cólera é o reverso de meu amor; se eu quiser escolher finalmente me entregar sem orgulho à doçura do mundo, então chamarei minha ira de amor."

"E agora- agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora lembrei que a gente morre. Mas- mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim. "

"Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver."

"Suponho que, arbitrariamente contrariando o sentido real da história, eu de algum modo já me prometia por escrito que o ócio, mais que o trabalho, me daria as grandes reconsas gratuitas, as únicas que aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazoável esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada."

"Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado." (A Legião Estrangeira)

" Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais"

"Como começar do início, se as coisas aconteceram antes de acontecer?"

"Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca".

"Sou tão misteriosa que às vezes não me entendo"

"Escrever existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê - é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação."

"Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa"

agasalhei-me do medo no próprio medo - como já me agasalhei de ti em ti mesmo"

"Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo. "

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja."
in "Onde estivestes de noite

Joana diz:
"Olho por essa janela e a única verdade, a verdade que eu não poderia dizer àquele homem, abordando-o, sem que ele fugisse de mim, a única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo,. Quem sou? Bem, isso já é demais."

'O inferno, porque o mundo não me tinha mais sentido humano, e o homem não me tinha mais sentido humano."

"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir. "(Trecho do conto 'Os desastres de Sofia', in "Felicidade Clandestina)

"Depois que descobri em mim mesma com é que se pensa, nunca mais pude acreditar
no pensamento dos outros."

"Entender é a prova do erro."

"Nossa geração teve pouco tempo começou pelo fim! Mas, foi bela a nossa procura, Ah! Moça! Como foi bela a nossa procura! Mesmo com tanta ilusão perdida e quebrada, Mesmo com tanto caco de sonho, Onde até hoje a gente se corta!"

"Sou mansa. Mas minha função de viver é feroz"

"Talvez você seja feliz um dia, não compreendendo, de uma felicidade que poucas pessoas invejarão."

"O que nos impede na maioria das vezes de ter o que queremos, de ser o que sonhamos, de fazer o que pensamos e aceitar com o coração, é a ousadia que não cultivamos." (Clarice Lispector)

"Estou atrás do que fica atrás do pensamento"

"Era cruel o que fazia consigo propria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer um pouco melhor, ja que a ferida estava aberta."

"Comigo você falará sua alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita."

"mas nao sei como captar o que acontece já senao vivendo cada coisa q agora e já me ocorra e nao importa o quê"

O Ovo e a Galinha
"Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não Ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que ,sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente."

" E ninguém é eu, e ninguém é você: esta é a SOLIDÀO "

"Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e
não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar,
exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles
precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não
merece...e morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior - vive-se,
sem ao menos uma explicação."

''Peço humildemente para existir,imploro humildemente uma alegria,uma ação de graça,peço que me permitam viver com menos sofrimento,peço para não ser tão experimentada pelas experiências ásperas,peço a homens e mulheres que me considerem um ser humano digno de algum amor e de algum respeito.Peço a benção da vida''--crônica ''a opinião de um analista sobre mim'' que esta no livro ''A Descoberta do Mundo''

"E as pancadas ela esquecia, pois esperando-se um pouco a dor termina por passar"

"Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas.
É o que está certo!" {Água Viva}

Carta de Clarice

Berna, 2 de janeiro de 1947

Querida, Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perde o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades - depois disso fica-se um pouco um trapo.
Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar e contar experiências minhas e dos outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, um mês antes de irmos para o Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos leva de volta eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar. Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a dura comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. Espero que no navio que me leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco minha vida - que não era maravilhosa mas era uma vida - eu me transforme inteiramente.
Uma amiga, um dia, encheu-se de coragem, como ela disse e me perguntou: "Você era muito diferente, não era?". Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou esta calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinqüenta anos. Tudo isso você não vai ver nem sentir, queira Deus. Não haveria necessidade de lhe dizer, então. Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você mesma uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.
Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia - será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma.

Tua Clarice

mas clarice . . .

"...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda." C.L.

"Mas é que a verdade nunca me fez sentido. A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo - para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei? Mas se eu nunca falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia." C.L.

"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam." (A Hora da Estrela)

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.
(descoberta do mundo)

É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade - provoca aquela saudade demasiada e lilás, aquele pergume de violeta, as águas geladas da maré mandsa em espumas de areia. Eu não quero provocar porque dói. (A dor do escritor, a do narrador, a do leitor, a do homem enfim. A dor da condição de existir e escrever.)

"... passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser"

"E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço."

" de repente, com olhos de criança assustada, descubro que esse mundo é um mundo cão".

Amar será dar de presente ao outro a própria solidão?"

"E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade do nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor".

"(...) Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar."

"Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.
(...)
O que te escrevo continua e estou enfeitiçada."

"Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda."

"Justamente sempre acontecia uma pequena coisa que a desviava da torrente principal. Era tão vulnerável. Odiava-se por isso? Não, odiar-se-ia mais se já fosse um tronco imutável até a morte, apenas capaz de dar frutos mas não de crescer dentro de si mesma. Desejava ainda mais: renascer sempre, cortar tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurar-se num terreno novo onde todo pequeno ato tivesse um significado, onde o ar fosse respirado como da primeira vez."

"Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro."

"A humanidade lhe era como uma morte eterna que no entanto não tinha o alívio de enfim morrer."

“Eu sei qual é o segredo da esfinge. Ela não me devorou porque respondi certo à resposta. Mas eu sou um enigma para a esfinge e no entanto não a devorei. Decifra-me, disse eu à esfinge. E esta ficou muda. As pirâmides são eternas. Vão ser sempre restauradas. A alma humana é coisa? É eterna? Entre as marteladas eu ouço o silêncio.”

terça-feira, outubro 24, 2006

"Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar- a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas"

-A Paixão segundo GH-

" - Que eu faço? não estou aguentando viver.A vida é tão curta e eu não estou aguentando viver"

"Os olhos, ela viu, os olhos tinham mudado. Estavam parados, com uma coisa no fundo que parecia paz. Ou desencanto."

(Paris não é uma festa)

" muito cedo na minha vida ficou tarde demais..."

"Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram."

"Há coisas que só se aprende quando ninguém ensina."

"De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã."

"Você vai me abandonar e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto."
Caio Fernando Abreu Os Dragões não conhecem o Paraíso- A Outra Voz.

C.L.

"O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo".


"Quando eu resolvi ser eu mesma, acabei sozinha"


"Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino. Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?"



"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece."

qualquer coisa - fernando caio abreu

Qualquer coisa

Amor de...

Para o Lico, sem dor

Fica parado à porta e eu nem vejo, estou de costas fazendo coisas como escrever, limpar cinzeiros ou olhar o céu pela janela. Fica parado à porta uma porção de tempo, e eu nem vejo, mas dura pouco. Em seguida algum toque quente como um olhar fixo começa a me queimar a nuca, então abandono o que eu estou fazendo, seja o que for, e não sei bem se me volto lenta ou rapidamente, para surpreendê-lo no momento exato de baixar os olhos e afastar a mão apoiada na parede, como se recém chegasse e não estivesse parado ali uma porção de tempo, olhando. Sei que está azul, ou verde, ou branco, talvez os três juntos, talvez outros ainda, talvez nenhum: mas me volto rápida ou lentamente, e nesse movimento qualquer coisa que tenho entre as mãos cai ao chão, e antes de dizermos qualquer coisa há a necessidade quase milenar de curvar-se para apanhar o objeto caído, um livro, um cigarro, provavelmente um estrela. E só depois ou durante o tempo em que vêm subindo no ar as mãos douradas segurando essa coisa qualquer é que nos olhamos e começa a entrar no mar sem medo antigo, e pela primeira vez a água não parece fria nem escura, nem arde nos olhos quando mergulho. Mergulho fundo para voltar em seguida à tona, mas não consigo, qualquer coisa como algas ou raízes ou peixes ou mesmo estrelas me prendem a esse fundo de fogo claro. E me debato sem vontade, sabendo que além da superfície há um dia esmaecido, que ainda é outono e um pajem caminha num parque qualquer, todas as tardesm com um livro ou uma folha nas mãos douradas e sozinhas. Mas é azul à minha volta, e embora me doa esse azul entrando pelos sentidos, é ali que quero ficar agora, naquele fundo claro de fogo, com algas de madrepérola aprisionando meus tornozelos, alguns tesouros além, navios piratas, ouros, terras, sereias.
Faço um movimento brusco e venho à tona como se voltasse a mim, e vou saindo lentamente do azul, sento na areia áspera e fico olhando a superfície que volta a ser polida e fria como vidro. Antigo medo, que me encara com olhos que guardam algas de madrepérola no claro fogo do fundo, e que recusa me matar de azul, porque talvez eu não suportasse, e não posso morrer porque é preciso, ainda, sacudir a areia da roupa branca e estender a mão para o livro, cigarro ou estrela que sobe em outras mãos douradas. E sorrir, então, e dizer bom-dia, boa-tarde, talvez boa-noite, e convidar a sentar, como se costuma nessas situações, e explicar sempre que não há muito onde sentar, e espalhar cinzeiros, fechar a porta, escolher rapidamente um disco lento e abandonar a coisa que estivesse fazendo para sentar no canto oposto da cama, talvez cruzar as pernas, acender um cigarro, abrir um livro, olhar uma estrela e falar ouvir durante horas coisas duras e inúteis, e de repente me perceber novamente deslizando para um mar aberto feito boca, convite na esquina, veludo atrás de vidraça, e não ceder porque não seria de esperar que eu cedesse agora, nessas situações, embora me consuma, e penso. Então sorrir e afastar com delicadeza as inúteis durezas até que nos aproximemos das tardes no parque, e era sempre outono. E de repente como girar numa roda louca que jogo de novo eu mesmo neste mesmo parque, com este mesmo livro ou esta mesma folha onde vou desenhando devagar uma estrela enquanto o cigarro queima em fogo claro, e depois ler ou ficar à toa olhando so verdes fumando à espera que um pajem passe de mãos sozinhas que faça encher de encantos as algas de madrepérola me seguram pelos pulsos e eu não resisto e já não importam os parques os pajens as folhas os livros os cigarros as estrelas as guitarras a loucura dos líquidos derramados sobre o tapete qye tudo absorve há dezesseis anos: apenas essas algas nos meus pulsos e os tesouros as sereias os reis com suas capas de arminho os atlantes os castelos e parques sem adolescentes sem folhas
nem livros em árvores sem esperas e bancos despidos de inscrições parques verdes de paz e uma coisa grita pouco abaixo do meu centro escuro mas eu a trato como o lenhador à serpente entanguida eu a levo para casa preparo fogo e alimento e abro as janelas e portas para voltar correndo às algas de madrepérola que agora se afrouxam e me soltam lentamente para me abandonar outra vez na mesma praia de areia seca olhando esse mar frio que se recusa a me matar de azul e me dói exatamente como se eu fosse um menino pobre a quem se mostrassem um doce da janela de um carro em alta velocidade. Vou escrevendo poemas como Anchieta pelo corrimão branco da escada e abro uma porta escura para a rua cheia de cotovelos, dentes rangendo, hesitações, temores, diplomas e [ilegível]. Depois volto devagar por um caminho que já não consigo decifrar, e me perco em labirintos pela sala vazia, ligodesligo ingridbogarthumphreybergmann e o leite escorre pela minha garganta seca de areia, de água salgada, de ar rarefeito, e tento novamente descobrir tesouros escondidos pelos cantos, como ninhos de Páscoa, e tento reescrever poemas desfeitos pelo vento no corrimão branco, e tudo de repente se fecha em torno de mim como uma bola cheia de espinhos, mas sorrio, contido, e dou as costas para a porta e depois volto a fazer coisas como escrever, limpar cinzeiros ou olhar o cé pela janela. E não espero que outra vez um toque quente como um olhar fixo me queime a nuca e me voltar para encontrar um valete de paus, de mãos estendidas para esse objeto qualquer caído há pouco, um livro, um cigarro, provavelmente um estrela.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Clarice L.

"Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair."

"Eu nunca fui livre na minha vida inteira.Por que dentro eu sempre me persegui.Eu me tornei intolerável para mim mesma."

"Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu - a meu mistério."

"Gosto de poder manter o silêncio junto de alguém. É mesmo a condição de uma amizade, para mim. Um amigo é aquele com o qual se pode partilhar o silêncio... como se partilha a palavra".

"Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino. Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?"

"Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui."

"Liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome"

"Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante."


"Escrevo por não ter mais nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens."

..."O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão - e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir."

"embora eu tb acredite que qndo um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores." de corpo inteiro "

"Nascer me estragou a saúde."

"Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la.
"Eu te odeio" disse muito apressada.
Mas não sabia sequer como fazia.

"O mais triste de um pássaro engaiolado é que ele parece estar feliz..."

domingo, outubro 22, 2006

Morte em Veneza - Thomas Mann

"Excessivamente ocupado com as tarefas que seu eu e a alma européia lhe propunham, excessivamente sobrecarregado pelo dever da produção, excessivamente avesso à distração para prestar-se ao papel de amante do colorido mundo exterior, dera-se inteiramente por satisfeito com o parecer que cada um pode tirar proveito da superfície do mundo sem se afastar de seu círculo, e jamais se sentir sequer tentado em deixar a Europa." (p. 6)

"(...) esse receio de o relógio querer parar antes de ele ter cumprido sua parte, antes de ter-se dado por inteiro(...)" (p. 7)

quarta-feira, outubro 18, 2006

Vai Passar

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ...


A personagem está sentada numa escrivaninha. A escrivaninha é muito velha, tem madeira lascada, riscada, manchada de muitas tintas. Falta a gaveta de cima. Pelo vão pode-se ver o que há no interior da segunda gaveta: uma garrafa de Pepsi-Cola vazia e um pedaço de sanduíche de queijo ou/e mortadela. Sobre o tampo, um maço de Hollywood pela metade e muito amassado, uma caixa de fósforos e um pires de cafezinho como cinzeiro. A personagem Lê um livro – de onde não consigo ler o título. A personagem usa tênis brancos (foram brancos), calças de brim azul, desbotado e sujo, um suéter amarelo de lã, esgarçado nos cotovelos. A personagem não olha em volta. Em volta, muitos moças & rapazes com pastas, falando alto (pode-se ouvir, nitidamente, a palavra “dialética”), supõe-se que sejam estudantes. Nas paredes vários cartazes. Num deles, pode-se ler claramente “Cultivar as Almas – ciclo de palestras filosóficas”. Em outro “Você na prévia”. E também: “Pela prática da Liberdade”. Por todos esse detalhes, se supõe que o cenário onde está sentada a personagem seja o diretório do centro acadêmico de alguma faculdade (mas de onde estou não consigo ver claramente). Há uma porta grande de vidro, semi aberta. Lá fora, às vezes chove, às vezes faz sol. Secas e molhadas, as pessoas que entram não param nem falam com a personagem. A personagem está vendendo alguma coisa. De onde estou não consigo ter certeza do que se trata. Mas parecem entradas, dessas para o teatro, cinema, música ou coisa assim. Ninguém pára. Todos falam entre si (pode-se ouvir, nitidamente, a expressão “contradição do sistema”), mas ninguém com a personagem. A personagem pára de ler e olha em volta para ver se está sendo observada. Lentamente. Depois introduz rápida o braço no vão da primeira gaveta (disfarçando com o livro) e, no fundo da segunda, apanha o resto do sanduíche (queijo? Mortadela?). Não vê que eu vejo. Então morde. "

(Caio Fernando Abreu)

domingo, outubro 15, 2006

quero comer a cidade.
aos poucos, pra sentir o sabor dos pontinhos iluminados na minha garganta

domingo, outubro 08, 2006

O rapaz mais trsite do mundo - CFA

Toda a vez é a mesma coisa, as cinco da tarde de toda sexta feira eu sento aqui, neste mesmo banco.
Neste mesmo bar, sou atendido pelo mesmo garçom.
Que me chama pelo nome.
Todas as sextas as cinco da tarde é um ritual.
Estou sempre com a barra da calça rasgada. Mania de andar pisando no jeans!
O tênis é o mesmo e a mesma jaqueta surrada.
Descanso a mochila no chão do meu lado esquerdo, enquanto a cerveja não chega.
Gelada desce aliviando as dores do dia, da semana, as noites de frio que queimam, de calor que cortam.
Na verdade tenho um segredo.
Venho aqui por causa dele.
O menino de sandálias de couro.
Lembro-me que era uma tarde chuvosa. Entrei no bar para me esconder da chuva para me aquecer e o avistei no balcão.
Cabelos despenteados, barba de dias por fazer, olhos tão cansados. E aquelas mãos, Meu Deus...Dedos enfraquecidos de tanto digitar, de tanto tentar contar uma história.
Que convença que o faça fazer parte.
Era o rapaz mais triste do mundo
Comprou um vinho embrulhou num papel pardo e saiu na chuva correndo atravessando a rua.
Aquele menino...
Nem sequer me viu.
Tomei alguma coisa que não me lembro bem o que era, sei que desceu ardendo, ferindo minha garganta.
Fui embora, assim assim... Vazio.
E voltei na semana seguinte e na outra e na outra e na outra.
Sempre com a mesma roupa, a mesma mochila, no mesmo horário.
Quem sabe assim talvez ele me reconhecesse?
A verdade é que ele nunca mais voltou.
Minha barba cresceu, meus cabelos também, há dias não me alimento direito, fumando demais, chorando demais, cansado demais. De tanta solidão.
Fico então aqui.
Sentado sozinho
Bebo demais noite adentro. Volto pra casa já tarde demais para um cigarro, para um beijo ou um afago.
E espero a próxima semana, a próxima sexta feira, o fim do dia
Espero o menino que nunca mais voltou!

terça-feira, outubro 03, 2006

“ Era perfectamente natural que te acordaras de él a la hora de las nastalgias, cuando uno se deja corromper por esas ausencias que llamamos recuerdos y hay que remendar com palabras y com imágines tanto hueco insaciable” (Julio Cortazar – Final del Juego)