quarta-feira, julho 18, 2007

john fante

john fante

“Olhei para os rostos ao meu redor e sabia que o meu era como o deles. Rostos drenados de sangue, rostos tensos, preocupados, perdidos. Rostos como flores arrancadas de suas raízes e enfiadas num vaso bonito, as cores se esvaindo rapidamente“. (p. 200

Quando meu pai ficou sabendo que seu terceiro filho também era um menino, reagiu da mesma forma que quando meus irmãos vieram ao mundo: ficou bêbado por três dias. Minha mãe encontrou-o na sala dos fundos de um boteco na rua do nosso apartamento e arrastou-o para casa. Afora isso, meu pai prestou pouca atenção em mim.” (p. 66)

Cerveja no bar da esquina - Charles Bukowski

Cerveja no bar da esquina

Não sei há quantos anos foi, quinze ou vinte. Eu estava sentado em minha casa. Era uma quente noite de verão e eu me sentia embotado.

Saí pela porta e desci a rua. Passara da hora do jantar para a maioria das famílias, e elas se sentavam vendo suas TVs. Fui até o boulevard. Do outro lado da rua tinha um bar de bairro, construção antiga, com um balcão de madeira pintado de verde e branco. Entrei.

Após quase uma vida inteira passada em bares, eu perdera inteiramente o gosto por eles. Quando queria alguma coisa para beber, geralmente pegava numa loja de bebidas, levava para casa e bebia sozinho.

Entrei e encontrei um banquinho distante da turma. Não estava contrangido, apenas me sentia deslocado. Mas se queria sair, não havia nenhum outro lugar aonde ir. Em nossa sociedade, os lugares interessantes, em sua maioria, ou são ilegais ou muito caros.

Pedi uma garrafa de cerveja e acendi um cigarro. Era mais um barzinho de bairro. Todos se conheciam. Contavam piadas pesadas e viam TV. Só havia uma mulher, velha, num vestido preto, peruca ruiva. Tinha uma dúzia de colares e acendia um cigarro atrás do outro. Comecei a desejar estar de volta ao meu quarto, e decidi ir para lá depois de acabar a cerveja.

Entrou um sujeito e pegou o banquinho junto ao meu. Não ergui o olhar, não estava interessado, mas pela voz imaginei que fosse mais ou menos da minha idade. Conheciam-no no bar. O garçom do balcão chamou-o pelo nome e uns dois fregueses o cumprimentaram. Ele ficou sentado junto a mim com sua cerveja por três ou quatro minutos; depois disse:

- Oi, como vai?
- Vou indo bem.
- Novo no bairro?
- Não.
- Não vi você aqui antes.
Não respondi.
- De Los Angeles? - ele perguntou.
- Principalmente.
- Acha que os Dodgers ganham este ano?
- Não.
- Não gosta dos Dodgers?
- Não.
- De quem você gosta?
- Ninguém. Não gosto de beisebol.
- De que é que gosta?
- Boxe. Tourada.
- Tourada é cruel.
- É, tudo é cruel quando a gente perde.
- Mas o touro não tem uma chance.
- Nenhum de nós tem.
- Você é negativo pra caralho. Acredita em Deus?
- Não no seu tipo de deus.
- Que tipo?
- Não sei ao certo.
- Eu vou à igreja desde que me lembro.
Não respondi.
- Posso lhe pagar uma cerveja? - ele perguntou.
- Claro.
Vieram as cervejas.
- Leu sobre as cinquenta meninas que morreram queimadas naquele orfanato de Boston?
- Li.
- Não foi horrível?
- Acho que foi.
- Você acha que foi?
- É.
- Não sabe?
- Se eu estivesse lá, acho que teria pesadelos o resto da vida. Mas é diferente quando a gente apenas lê sobre a coisa nos jornais.
- Não sente pena das cinquenta meninas que morreram queimadas? Elas se penduravam das janelas gritando.
- Acho que foi horrível. Mas a gente vê isso apenas como uma manchete de jornal, uma matéria de jornal. Na verdade não pensei muito nisso. Virei a página.
- Quer dizer que não sentiu nada?
- Na verdade, não.

Ele ficou um momento calado e tomou um gole de sua cerveja. Depois gritou:

- Ei, aqui tem um cara que diz que não sentiu porra nenhuma quando leu sobre aquelas cinquenta órfãs que morreram queimadas em Boston!

Todos olharam para mim. Baixei o olhar para meu cigarro. Fez-se um minuto de silêncio. Então a mulher de peruca vermelha disse:

- Se eu fosse homem, chutava a bunda dela por toda a rua acima e abaixo.
- Ele também não acredita em Deus! - disse o cara junto a mim. - Odeia beisebol! Adora touradas, e gosta de ver menininhas morrerem queimadas!

Pedi outra cerveja ao garçom, para mim. Ele me empurrou a garrafa com repugnância. Dois rapazes jogavam sinuca. O mais jovem, um garotão grande de camiseta branca, largou o taco e aproximou-se de mim. Ficou atrás de mim enchendo os pulmões de ar, tentando tornar o peito maior.

- Isso aqui é um bom bar. A gente não gosta de babacas por aqui, a gente cobre eles de porrada.

Eu o sentia parado às minhas costas. Peguei a garrafa, servi no copo, bebi e acendi um cigarro. A mão perfeitamente firme. Ele ficou ali parado por algum tempo, depois acabou voltando para a mesa de sinuca. O homem sentado a meu lado desceu de seu banquinho e afastou-se.

- O filho da puta é negativo - ouvi-o dizer. - Odeia as pessoas.
- Se eu fosse homem - disse a mulher de peruca vermelha - fazia ele pedir o penico. Não suporto esses sacanas.
- É assim que falam caras tipo Hitler - disse alguém.
- Verdadeiros panacas cheios de ódio.

Tomei a cerveja, pedi outra. Os dois caras jovens continuavam jogando sinuca. Algumas pessoas saíram e os comentários sobre mim começaram a morrer, exceto no caso da mulher de peruca vermelha. Ela ficava cada vez mais bêbada.

- Canalha, canalha... você é um verdadeiro canalha. Fede como uma fossa! Aposto que odeia seu país também, não odeia? Seu pai, sua mãe e todo mundo mais. Ah, eu conheço vocês! Canalhas, canalhas covardes vulgares.

Acabou saindo lá pela uma e meia da manhã. Um dos garotos que jogavam sinuca saiu. O de camiseta branca sentou-se na ponta do balcão e falou com o cara que tinha pago a cerveja pra mim. Às cinco para as duas, eu me levantei devagar e saí.

Ninguém me seguiu. Subi o boulevard, peguei minha rua. As luzes das casas e apartamentos estavam apagadas. Havia uma cerveja na geladeira. Abri e bebi.

Depois tirei a roupa, fui ao banheiro, mijei, escovei os dentes, apaguei a luz, fui para a cama, me deitei e dormi

notas de Bukowski

E agora nós temos os psiquiatras, os pensadores, os jurados, os assessores presidenciais nomeados para calcular o que há de errado conosco, quem está triste, quem está certo, quem está errado. Eu sou muito louco. Não posso suportar o ser humano do jeito em que se encontra, devo estar enganado. Os psiquiatras devem ter uma palavra para isso, e eu tenho uma palavra para os psiquiatras. Prender loucos quando cinqüenta e nove entre sessenta homens que você encontra na rua estão lelés da cuca por causa das neuroses industriais e das esposas e das guerras e nenhum tempo para relaxar e tentando descobrir onde estão, ou por que, ou quando verão o dinheiro que os manteve por tanto tempo cegos e fodidos. Quando não nos interessar mais continuar a viver assim por mais tempo. E então o que é que nós vamos fazer? E esses psiquiatrazinhos, exibindo os seus trunfos mágicos, nos iludindo com palavras dizendo que isto é assim porque o pé de sua mãe era torto e seu pai bebia e uma galinha cagou na sua boca quando você tinha três anos de idade e portanto você é um homossexual ou um operador de prensa de perfuração. Nada além de um jeito de tornar as coisas mais fáceis numa sociedade insana. Tudo menos a verdade. Simplesmente que alguns homens se sentem mal porque a vida não é boa para eles do jeito que está e que ela poderia facilmente ser tornada melhor; mas, não, os psiquiatras com suas bobagens mecanicistas que serão algum dia provadas completamente falsas, e eles continuarão a nos dizer que somos todos loucos e ainda serão bem remunerados para fazerem isso.

Hospitais são onde eles tentam matar você sem explicar por quê. A fria e calculista crueldade dos hospitais não é causada por médicos que estão sobrecarregados de serviços e que estão habituados e entediados com a morte. É causada por médicos que ganham demais pra fazer tão pouco e que são admirados pelos ignorantes como feiticeiros que curam, quando na maior parte do tempo não sabem diferenciar seus próprios cabelos do cú de barbas de milho.

No fundo, o grande segredo é o seguinte: os gênios não existem. Eu sou um gênio e portanto sei. O que há é uma conspiração para fazer de conta que os gênios existem e uma escolha das pessoas certas para assumir o papel imaginário de gênio. O difícil é ser escolhido. Quase todo mundo nasce gênio e é enterrado imbecil

Certa vez eu estava falando, não melhor, bebendo com um amigo meu que era um psiquiatra de certo renome, e no meio de um de nossos drinques inclinei-me para a frente e lhe perguntei:
- Jean diz pra mim, eu sou louco? Vamos lá, homem, pode dizer, eu seguro!
Ele terminou seu drinque, colocou-o sobre a mesa de café e me disse:
-Você terá que me pagar os meus honorários primeiro.
Então eu descobri que pelo menos um de nós era louco...

Eu era como um lixo que atraía moscas, ao invés de uma flor desejada por borboletas e abelhas.

Não existe nada tão chato como a verdade. É isso que as pessoas querem: Mentiras. Mentiras maravilhosas. É disso que precisam. As pessoas são idiotas, é fácil pra mim.

Os tribunais são lugares onde o final é escrito primeiro e tudo o que vem antes não passa de comédia. Homens são levados para salas de interrogatório e saem meio-homens ou até mesmo não homens

Você pode foder com um jornal por imprimir uma porção do corpo humano em tamanho natural, mas quando você chuta na bunda o redator do editorial de um jornal com uma circulação de um milhão de exemplares, é bom que você se cuide, ele pode apenas começar a escrever a verdade sobre sua cidade ou sobre qualquer outro lugar do mundo, e os anunciantes que se danem. Pode ser que ele seja capaz de escrever apenas uma coluna mas essa única coluna pode resultar nem milhão de leitores pensando - o que já seria uma mudança e tanto - e ninguém seria capaz de dizer o que poderia então acontecer. Mas eles são espertos e a fechadura sempre estará bem segura. Nossa escolha é quase escolha nenhuma. Se nós não nos movimentarmos rápido o suficiente, nós estamos mortos. Não é nossa a vez de dar as cartas. E o que eles nos oferecem é uma possibilidade de escolher entre merda quente e merda fria. Como eu disse, merda fria, merda quente, é tudo merda.

Um escritor que tem que ir para as ruas é um escritor que não conhece as ruas. Sair para as ruas quando você tem um NOME é fazer o caminho mais fácil. Quando você deixa sua máquina de escrever, você deixa a sua metralhadora e aí os ratos surgem aos borbotões.

O que esses malditos revolucionários que ficam zanzando ao redor do meu apartamento bebendo a minha cerveja e comendo a minha comida e exibindo as suas mulheres precisam aprender é que a coisa deve vir de dentro pra fora. Não se pode dar a um homem um novo governo como um novo chapéu e esperar um homem diferente dentro desse chapéu. Ele ainda cai continuar tendo as suas predisposições de merda e uma barriga cheia e uma coleção completa de Dizzy Gillespie não vai mudar isso. Muitas pessoas juram que vai haver uma revolução mas eu odiaria ver todas essas pessoas semimortas por nada. Quer dizer, você pode matar a maioria das pessoas e você não está matando nada pois poucos homens bons estão destinados a ir. E aí com o que é que você termina: um governo ACIMA do povo. Um novo ditador com vestes de ovelha; a ideologia era apenas para a manutenção das armas. Portanto, caros leitores, se me derem licença, vou voltar pras putas, pros cavalos e pra garrafa enquanto há tempo. Se isso contribui pra gente morrer, então, pra mim, parece bem menos repugnante ser responsável pela nossa própria morte de que qualquer outra modalidade que ande por aí, disfarçada com rótulos sobre Liberdade, Humanidade e/ou qualquer outra espécie de Papo Furado

Revolução soa muito romântico, vocês sabem, mas não é. É sangue, culhão e loucura; é menininhos mortos que ficam no caminho, menininhos que não entendem porra nenhuma do que está acontecendo. É a sua puta, a sua mulher rasgada na barriga por uma baioneta e depois estuprada no cú enquanto você olha. É homens torturando homens que costumavam rir com as historinhas do Mickey Mouse . Antes de você entrar nesta coisa, decida onde está o espírito e onde ele estará quando a coisa tiver terminado. Eu não acredito que nenhum homem tem o direito de tirar a vida de outro homem. Mas talvez mereça um pouco de reflexão antes. É claro, a porra é que eles têm tirado as nossas vidas sem disparar um tiro.

Eu já vi homens levarem bala por demorarem mais do que cinco minutos no cagador mas antes de você matar qualquer coisa certifique-se se tem alguma coisa melhor para pôr no seu lugar; alguma coisa melhor do que oportunismo político e críticas rancorosas nos parques públicos. Os rapazes berrando pelo seu sacrifício nos parques públicos são geralmente os que estão mais longe quando o tiroteio começa. Eles querem viver para escrever as suas memórias. Existem muitos nas suas fileiras que prefeririam ser presidente da General Motors do que incendiar o Posto Shell da esquina. . São esses os ratos humanos que por séculos nos têm mantido onde nós nos encontramos. Se vou matar um homem não quero vê-lo substituído por uma cópia carbono do mesmo homem e da mesma maneira. Nós temos desperdiçado a História como um punhado de bêbados jogando dados no fundo do banheiro masculino de um bar local. Tenho vergonha de ser um membro da raça humana mas não quero acrescentar nem mais um pingo que seja a essa vergonha

E a maconha. Eles sempre equacionam maconha com Revolução. A maconha não é assim tão boa. Pelo amor de Cristo, se eles legalizarem a maconha a metade das pessoas parariam de fumá-la. A proibição cria mais bêbados que berrugas de avó. É só aquilo que você não pode fazer que você tem vontade de fazer.

Deus disse ESPEREM e é duro ESPERAR quando a barriga está vazia e a sua alma não se sente tão bem e talvez você só possa viver até os 55 e a última vez que Deus apareceu foi há quase 2000 anos atrás e depois disso ELE apenas fez meia dúzia de truques baratos para divertir a massa, deixou que alguns judeus o enganassem, e aí saiu de cena. Um homem se cansa pra caralho de sofrer. Cristo se mandou da cruz e agora nós estamos pregados aos filhos da puta, pretos e brancos, brancos e pretos, completamente. Esses caras acham que você tem que estar crucificado e sangrando para ter alma. Querem que você esteja meio louco, babando na camisa. Já estou cheio da cruz, meu tanque está cheio disso. Se puder ficar fora da cruz, ainda terei bastante combustível. Demais. Deixe que eles subam na cruz, eu os congratulo. Cara, eu gostaria de ver um bom par de sapatos em cada homem caminhando pelas ruas e ver que ele consegue uma boa trepada de vez em quando e uma barriga cheia de comida também

As mulheres geralmente se entregam ao mais imbecil que elas conseguem encontrar; é por isso que a raça humana está na posição que ela se encontra hoje: Nós criamos os espertos e duradouros Casanovas, completamente ocos por dentro, como os coelhinho de Páscoa de chocolate que nós empurramos boca abaixo das nossas pobres crianças

Sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não - ser. E aceitava isso. Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado e obscuro pra viver a minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não se casava com o outro. Pouco me importava

Fiquei 14 anos no mesmo trabalho, as horas se arrastando feito bosta mole, e a cara de todo mundo se reduzindo a uma massa disforme, matraqueando. Mas eu sempre soube que divertimento e perigo dificilmente passam margarina na torrada ou alimentam um gato

A diferença entre democracia e ditadura é que, numa, primeiro a gente vota e depois cumpre ordens, ao passo que na outra não é preciso perder tempo com eleições. Nunca tive o menor interesse por onde vai a coisa. Mas existem bandidos e mocinhos? Quem sempre diga a verdade e quem nunca minta? Não existem bons ou maus governos. O que existem são apenas governos ruins e outros piores ainda. Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Poderoso, o que mais agora?

De fato, hoje o mundo é dos heróis, dos fashions, dos campeões em tudo. Já não é mais nem narcisismo, é puro fascismo. Ninguém admite a derrota, a falta, o simples humano. Que jogo sujo é esse? Há como fugir disso? Não há fuga, ação ou falta de ação. Temos apenas que nos considerar como uma derrota: qualquer lance no tabuleiro leva a um cheque-mate. No entanto acho cho que a multidão, aquela multidão, a Humanidade, que sempre foi difícil pra mim, aquela multidão está tendo o que merece. Afinal de contas, quem perde ou quem ganha alguma coisa ?

Atualmente vivemos nesse universo globalizado, informatizado e performático. O mundo da informação. Um autismo teleguiado, um acúmulo de palavras vazias, cabeças com cérebros vitaminados e merda escorrendo dos ouvidos. Será que chegamos finalmente à sabedoria? O conhecimento que não se realiza é pior que a ausência total de conhecimento. Porque se você esta chutando e a coisa não funciona você pode dizer apenas, merda, os deuses estão contra mim. Mas se você sabe e a coisa não dá em nada você se adentra no sótão de sua mente e passa a percorrer para cima e para baixo obscuros corredores e a imaginar. Isso não é nada saudável, acaba resultando em noites desagradáveis, muita bebida e na máquina de triturar

Nós somos fisgados, esbofeteados e cortados em pedacinhos estupidamente. Tão estupidamente que alguns de nós acabam finalmente amando nossos torturadores porque eles estão para nos torturar de acordo com linhas lógicas de tortura. E isto parece até razoável, porque não há nada melhor pintando. Tem que estar certo porque é tudo que existe

O que acontece é que a maioria das pessoas fica paralisada de medo. Elas têm tanto medo do fracasso que acabam fracassando. Estão condicionadas demais, acostumadas demais que digam o que devem fazer. Começa com a família, passa pela escola e entra no mundo dos negócios. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família. Suas mentes estão cheias de algodão. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas

Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos.. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouvi-la. A maioria das mortes das pessoas é pura empulhação. Não sobra mais nada para morrer.

Por que há tão poucas pessoas interessantes? Em milhões, por que não há algumas? Devemos continuar a viver com esta espécie insípida e tediosa? O problema é que tenho de continuar a me relacionar com eles. Isto é, se eu quiser que as luzes continuem acesas, se eu quiser consertar este computador, se eu quiser dar descarga na privada, comprar um pneu novo, arrancar um dente ou abrir a minha barriga, tenho que continuar a me relacionar. Preciso dos desgraçados para as menores necessidades, mesmo que eles me causem horror. E horror é uma gentileza

Parece que o principal ato da humanidade é a Violência. São bons nisso. Realmente florescem. Flores de merda, emporcalhando nossa chance. O mundo inteiro é um saco de merdas se rasgando. Não posso salvá-lo. Sei que nos movemos em direção à miragem, nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo. Eu sei que nove décimos de mim já havia morreu, mas eu guardo o décimo restante como uma arma.

Botei uma camisa, uma calça, ..., corri pro banheiro e vomitei. Tentei escovar os dentes, mas só consegui vomitar de novo. ... -Você tá mal - disse Lydia. -Quer que eu saia? -Não, não, eu tô legal. Sempre acordo desse jeito.

Glendoline puxou uma cadeira e começou a falar. E como falava. Se fosse uma esfinge, ia falar, se fosse uma pedra, ia falar. Quando é que ela vai se cansar e sair, fiquei pensando. Mesmo quando parei de escutar, era como se eu estivesse sendo bombardeado com minúsculas bolinhas de pingue-pongue. Glendoline não tinha nenhuma noção do tempo e não se tocava que podia estar incomodando. Ela falava, falava. Meus personagens falam demais. Todo mundo fala demais.

Lá estavam as cicatrizes, o narigão de alcóolatra, a boca de macaco, os olhos reduzidos a fendas; e lá estava o sorriso burro e satisfeito de um homem feliz, ridículo, que se sente um sortudo, e nem sabe por quê. Ela tinha 30 e eu mais de 50. Não me importava

Nunca fui uma boa companhia. Não gosto de conversar. Não quero trocar idéias - ou almas. Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro do bloco, sem ser perturbado. Foi assim desde o começo. Resisti a meus pais, resisti à escola e depois resisti a torna-me um cidadão decente. Certo, sei que preciso de alguém que tire essa tristeza de mim. Preciso de alguém que diga, eu compreendo, garoto, agora não se aflija e morra. Mas qualquer um que pudesse me agüentar tinha muito perdão em sua alma.

Eu não preciso contemplar essa gigantesca demonstração de desperdício da humanidade, empanturrada lado a lado, soltando piadas, rindo sem motivo nenhum, resmungando coisas sobre sexo e comentando resultados de testes com rãs. Não preciso vê-los andando ou se espreguiçando pra lá e pra cá com seus corpos horríveis e vidas vendidas - sem olhos, sem vozes, nem nada, e sem nem saber disso - somente a merda do desperdício, a nódoa em cima da cruz.