lispector / quintana
"Perdoando Deus""(...)Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."
"Eu, alquimista de mim mesmo. Sou um homem que se devora? Nao, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos meus modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.Vivo em escuridão da alma, e o coração pulsando, sôfrego pelas futuras batidas que não podem parar".
Com o tempo, sobretudo nos últimos anos, perdi o jeito de ser gente, não sei mais como se é.É uma espécie de 'solidão de não pertencer'começou a me invadir como heras num muro"
"sigo todos os caminhos e nenhum deles ainda é o meu"
"Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito."(Clarice Lispector In: Água viva - p. 114)
Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu - a meu mistério."
"Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui."
"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
"É.Eu me acostumo mas não amanso.Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente.Quando vejo o meu cavalo livre e solto no prado tenho vontade de encostar meu rosto no seu vigoroso e aveludado pescoço e contar-lhe minha vida.E quando acaricio a cabeça de meu cão sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique"A HORA DA ESTRELA
Mas é que ninguém sabe como se sente por dentro aquele cujo emprego consiste em fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo emprego consiste em diariamente esquecer. Aquele de quem é exigida a aparente desonra. Nem meu espelho reflete mais um rosto que seja meu.´O Ovo e a Galinha´, em ´A Legião Estrangeira´- Clarice Lispector-
Escuta, existe uma coisa que se chama santidade humana, e que não é a dos santos. Tenho medo de que nem o Deus compreenda que a santidade humana é mais perigosa que a santidade divina, que a santidade dos leigos é mais dolorosa. Embora o próprio Cristo tenha sabido que se com Ele haviam feito o que fizeram, conosco fariam muito mais, pois Ele dissera: “Se fizeram isto com o ramo verde, o que farão com os secos?”´A Paixão segundo G.H.´ - Clarice Lispector
..É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. PAra que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos , nada há melhor que expô-lo ao sol..
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum:é uma lucidez vazia, como explicar?assim como um cálculo matemático perfeito o qual, no entanto, não se precise.Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.E nem entendo aquilo que entendo:pois estou infinitamente maior que eu mesma,e não me alcanço.Além do que:que faço dessa lucidez?Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano- já me aconteceu antes.Pois sei que- em termos de nossa diáriae permanente acomodação resignada à irrealidade -essa clareza de realidade é um risco.Apagai, pois, minha flama, Deus,porque ela não me serve para viver os dias.Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.Eu consisto,eu consisto,amém.
liberdade é deitar de sapatos.-
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