segunda-feira, dezembro 04, 2006

Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.(...)
Tudo se resumia ferozmente em nunca dar o primeiro grito - um primeiro grito desencadeia todos os outros, o primeiro grito ao nascer desencadeia uma vida. Se eu gritasse acordaria milhares de seres gritantes que começariam pelos telhados um coro de gritos e horror. Se eu gritasse desencadearia a existência - a existência de quê? A existência do mundo. Com reverência eu temia a existência do mundo para mim. (...)
Eu com uma vida que finalmente não me escapa pois enfim a vejo fora de mim - eu sou minha perna, sou meus cabelos, sou o trecho de luz mais branca no reboco na parede - sou cada pedaço infernal de mim - a vida em mim é tão insistente que se me partirem - como uma largatixa, os pedaços continuarão estremecendo e se mexendo. Sou o silêncio numa parede, e a borboleta mais antiga esvoaça e me defronta: a mesma de sempre. De nascer até morrer é o que eu me chamo de humana, e nunca propriamente morrerei.



"Ah, quero voltar para a minha casa" pedi-me de súbito, pois a Lua úmida me dera saudade de minha vida. ...

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