domingo, setembro 17, 2006

Trechos 2, entrando em paralisia emocional

"- Não tem graça.
- Eu sei, era triste?
- Triste, você disse triste? Era medonho, cara. Era duma solidão horrenda, era dum desespero pânico. Era duma. Duma agressão, de um desprezo, de uma crueldade, Você não lembra?
- Eu já tinha ido embora.
- Eu não tinha nenhum amigo. Só Peter Pan."


Pela noite/Estranhos Estrangeiros
"E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo. No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que o amor não começa quando o nojo, higiene ou qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também."





"Dane-se. Comigo sempre foi tudo ao contrário."

"Não há nada a ser esperado. Nem desesperado."

"Chegue bem perto de mim. Me olhe, me toque, me diga qualquer coisa. Ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada..."

"O que eles deixaram foram três postulados: importante é a luz, mesmo quando consome; a cinza é mais digna que a matéria intacta e a salvação pertence apenas àqueles que aceitaram a loucura escorrendo em suas veias."

"Mas um pouco antes, sem saber por quê, começou a chorar sentindo-se só e pobre e feio e infeliz e confuso e abandonado e bêbado e triste, triste, triste."

" Amar o mesmo de si no outro às vezes acorrenta, mas quando os corpos se tocam as mentes conseguem voar para bem mais longe que o horizonte, que não se v~e nunca daqui..."

" Tudo aos poucos vira dia e a vida - ah, vida - pode ser medo e mel quando você se entrega e vê, mesmo de longe."
( Conto O Rapaz mais Triste do Mundo)

"... entre a tua testa larga de onde às vezes costumas afastar os cabelos com ambas as mãos, numa mistura de preguiça e sensualidade esxpostas, e quando teu olho se afasta assim, não sei para onde, talvez para esse mesmo lugar onde te encontravas ontem, à beira do mar aberto, onde não penetro, como não te penetro agora, mas é quando a pedra ou faca no fundo do meu olho afasta o teu é que te olho detalhado, e nunca saberás quanto e como já conheço cada milímetro da tua pele, esses vincos cada vez mais fundos circundando as sobrancelhas que se erguem súbitas para depois diluírem-se em pêlos cada vez mais ralos, até a região onde os raspas quase sempre mal, e conheço também esses tocos de pêlos duros e secretos, escondidos sob teu lábio inferior, levemente partido ao meio, e tão dissimuladote espio que nunca me percebes assim, te devassando como se através de cada fiapo, de cada poro, pudesse chegar a esse mais de dentro que me escondes sutil, obstinado, através de histórias como essa, do mar, das velhas tias, das iniciações, dos exílios, das prisões, das cicatrizes, e em tudo que me contas pensando, suponho, que é teu jeito de dar-se a mim..."
(Conto À Beira do Mar Aberto - Os Dragões não Conhecem o Paraíso)

"... então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para liberar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim..."
[à beira do mar aberto, em os dragões não conhecem o paraíso]

Carta ao Zézim
"E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.
"Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz ”Deus é minha última esperança". Zézim, eu te quero tanto, não me ache insuportavelmente pretensioso dizendo essas coisas, mas ocê parece cabeça-dura demais. Zézim, não há última esperança, a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Tudo é maya / ilusão. Ou samsara / círculo vicioso. "

"Quero outra vez um quarto todo branco e um par de asas. Mesmo de papelão." ...

"escuta aqui, cara, tua dor não me importa. estou cagando montes pras tuas memórias, pras tuas culpas, pras tuas saudades. as pessoas estão enlouquecendo, sendo presas, indo para o exílio, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando o seu amor perdido. foda-se o seu amor perdido. foda-se esse seu rei-ego absoluto. foda-se a sua dor pessoal, esse seu ovo mesquinho e fechado".
(lixo e purpurina)


"Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha para mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi para saber tocá-lo. Você não me conta seus desejos. Sorri com os olhos, com a mesma boca que mais tarde, um dia, depois daqui, poderá me dizer: não. Há uma espécie de heroísmo então quando estendo o braço, alongo as mãos, abro os dedos e brota. Toco. Perto da minha a boca se entreabre lenta, úmida, cigarro, chiclete, conhaque, vermelha, os dentes se chocam, leve ruído, as línguas se misturam. Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do teu corpo contra a minha coxa, calor rijo do meu corpo contra a tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos."
[Anotações sobre um amor urbano, em Ovelhas Negras]

"Era isso – aquela outra vida inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém mais veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tempo incapazes de ver uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que recomponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome. "
(Pequenas epifanias)

"Não, você não sabe, você não sabe como tentei me interessar pelo desinteressantíssimo"
[Luz e sombra, MORANGOS MOFADOS]

"Tenho a impressão que a vida, as coisas foram me levando. Levando em frente, levando embora, levando aos trancos, de qualquer jeito. Sem se importarem se eu não queria mais ir. Agora olho em volta e não tenho certeza se gostaria mesmo de estar aqui."
[Pela noite]

"Abraçou-o também, que vinha de muito longe, que mal se conheciam, um bicho arisco, abraçou-o com muita força, como se quisesse entrar dentro dele para poder compreendê-lo mais, e melhor."
[Pela noite]

"Façamos de conta no meio da chuva que te enxuguei os cabelos, te levei para a cama, te aqueci com abraços, tirei tuas roupas devagar, cantei para te adormecer até a manha seguinte."
[Pela noite]

"Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consomem cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe mas foi só mais um engano? E quantos ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca."
[Anotações sobre um amor urbano]

"Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas."
[Extremos da paixão]

"Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre pra dentro. O quê, ele gritou. O figo, repeti, o figo é uma flor."

"Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva pra Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo bem."

"Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês- que é muito delicado. E tanbém de não perturbar o meu próprio equilíbrio - que é tão ou mais delicado. "

"teve um sonho entao
o primeiro que conseguia se lembrar desde agosto
chegava num bar com mesas na calçada
ele morava em cima daquele bar, no mesmo predio. estava aflito, esperava um recado, carta, bilhete, ou qualquer presença urgente do outro. sorrindo na porta do bar um rapaz o comprimentou. nao o conhecia mas o comprimentou de volta, mais apressado que intrigado.
subia as escadas correndo, ofegante abria a porta
nenhum bilhete no chao, na secretaria nenhum recado na fita . olhou o relogio, tarde demais e nao viera
mas de repente lembrou daquele rapaz que o comprimentara sorrindo na porta do bar la embaixo, que aquele rapaz moreno que ele nao reconhecera
era o outro
NAO VEJO O AMOR, DESCOBRIU ACORDANDO : DESVIO DELE E CAIO DE BOCA NA REJEIÇAO."

"É que ele parece todo igual. Que nem chuva"
(Pela Passagem De Uma Grande Dor - Morango Mofados)

de Onde Andará Dulce Veiga
"A vida nao é apagável, pensei. Nem volta atrás. Ainda nao construíram a máquina do tempo. Ninguém virá em meu socorro. Faz tanto tempo que invento meus próprios dias. Preciso começar por algum ponto..."

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