segunda-feira, maio 29, 2006

Caio Fernando Abreu. - trechos

Isso eh dum kra foda, chamado Caio Fernando Abreu, escreveu Morangos Mofados, entre outros.
O primeiro é um dos melhores textos que já li.

"Não que fosse amor de menos,você dizia depois, ao contrário, era amor demais você acreditava mesmo nisso? naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotênicas em baldes de lirismo juvenil, imbecil e eu disse não, meu bem o que acontece é que como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Vrginia Woolf, como era mesmo o nome da fanfachona? Vita, isso, Vita Sackville-West e o veado marido dela, ora não se erice, queridinho, não tenho nada contra veados não, me passa a vodca, o que? e eu lá tenho grana para comprar wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra decadentes em geral, não tenho nada contra qualquer coisa que soe a: uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira um maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angústia, saco, massando, ando, mais de duas décadas de convívio cotiano, tenho uma coisa apertada aqui no peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo... ai que gracinha nosso livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castañeda, depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos todos colonizados nas cabecinhas idiotas, bolsas na Sobornne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50 em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun heres come the sun little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no studio 54, 80 a gente aqui mastigando essa coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo a boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito , agora faço o que? não é plagio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso,tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma , você vai curtir seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão postal contando qualquer coisa como ontem a noite, na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe , por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonas e olhos oblíquos que. Hein? caro que deve haver alguma dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com auto-conhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinquenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pireide clínica, lembra? voce me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança enquanto você solidário e positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja,as noites não terminavam nunca , ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordoô minha sede com sapatinhas de Ferro´s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o suor po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, babynão estou louca nem bebada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhma saída, ah não se preocupe,meu bem, depois que voce sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito,depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo pra cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas do tipo preciso-tanto-uma-razão-pra-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o solpintar trás daqueles edifícios sinistros, as não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma?ah, passa devagar tua mão na minha cabeça, toca meu coraçãocom teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ele pára e pede, preciso tanto tanto tanto cara, eles não me permitiramser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntandose está mesmo mutio feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinhas essas marcas em volta dos olhos, eu não tinha esses vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que nada,que ela está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno númerodois em mi bemol de Chpin, eu quer deixá-la assim, dormindo no escuro sobre esta sofá amarelo, ao lado das papoulasquase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai violenta e pede que eu ponhaAngela outra vez, e eu viro o disco, amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer eu vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados...mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça entãode me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lododso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bembonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a genteteve um dia, me deseja també uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tdo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, ns perdemos no meio da estrada e nunca tivemos amapa algum, ninguémdá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta.Preciso me apoiar contra a parede para não cair.Por trásda madeira, misturada ao piano e à voz rouca de Angela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindoque tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muit bem, tudo bem. Axé, axé , axé! eu digo e insisto até que o elevador chegueaxé, axé, axé, odara!




"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vontade de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso".(Lixo e Purpurina- Ovelhas Negras)

"sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu deus mas como você me dói de vez em quando." do conto Harriett.

"Deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado"... [Para uma avenca partindo - O Ovo Apunhalado]

Onde andará Dulce Veiga?
"Os dias se interrompiam quando ele ia embora. Recomeçavam apenas no mesmo segundo em que tornava a chegar.Não sei quanto tempo durou. Só comecei a contar os dias a partir daquele em que ele não veio mais." (p. 115)


"Em luta, meu ser se parte em dois. Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sedno é coragem. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver".-do conto Intinerario, do Inventário do Ir-remediavel

"...dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha ou fatalidade, não importa, estamos tão enredados que seria impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba nem assim nem agora nem aqui... "

Dama da Noite :
"Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite".

"...e vejo os telhados onde jogávamos migalhas de pão para os passarinhos, escondidos para não assustá-los, até que eles viessem, mas não vinham nunca, era dificil seduzir os que têm asas, já sabíamos..."

jupiter encontrou saturno - morangos
- você tem um cigarro?- estou tentando parar de fumar.- eu tb. mas queria alguma coisa nas minhas mãos agora.- vc tem alguma coisa nas mãos agora.- eu?- eusilencio- como é que vc sabe?- o q?- que o menino vai se matar?- sei mtas coisas.- eu não sei nada.- te ensino a saber. não a sentir. não sinto nada. já faz tempo.- eu só sinto, mas não sei o sinto. qdo sei, não compreendo.- ninguém compreende.- às vezes sim. eu te ensino.- dificil. morri em dezembro. com cinco tiros nas costas. vc também.- também. depois saí do corpo. vc já saiu do corpo?(...)

"Você não sabe, mas acontece assim quando você sai de uma cidadezinha que já deixou de ser sua e vai morar noutra cidade, que ainda não começou a ser sua. Você sempre fica meio tonto quando pensa que não quer ficar, e que também não quer - ou não pode - voltar".
De "Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na beira da sanga" (conto d'OS DRAGÕES NÃO CONHECEM O PARAÍSO

Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodka,me passa o cigarro, não ,não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing especial, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, ginseng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e aroz integral, absolutamente santa, absolutamnte pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choromingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma?

Ovelhas Negras(livro)
"ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes mortos pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo as folhas lá bem ao sul e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim: ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com o gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como e devoraria você ah se ousássemos."

Do Livro Inventário do Ir-Remediável
"Descobririas que as coisas e as pessoas só o são em totalidade quando não existem perguntas, ou quando as perguntas não são feitas. Que a maneira mais absoluta de aceitar alguém ou alguma coisa seria justamente não falar, não perguntar - mas ver. Em silêncio. (...) O que faz nascer as perguntas não é uma necessidade de conhecimento, mas de ser conhecido."

Inventário (livro)
"Não sei, até hoje não sei se o príncipe era um deles. Eu não podia saber, ele não falava. E, depois, ele não veio mais. Eu dava um cavalo branco para ele, uma espada, dava um castelo e bruxas para ele matar, dava todas essas coisas e mais as que ele pedisse, fazia com a areia, com o sal, com as folhas dos coqueiros, com as cascas dos cocos, até com a minha carne eu construía um cavalo branco para aquele príncipe. Mas ele não queria, acho que ele não queria, e eu não tive tempo de dizer que quando a gente precisa que alguém fique a gente constrói qualquer coisa, até um castelo. "

Inventário(livro)
"Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida. Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás. Não olhava, pois, e pois não ficava. Completo, partiu. "

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

UAU *__*

Muito lindo, todos os trechos, princi´palemnte
o trecho do livro Ovelhas Negras.

4:14 PM

 

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